Festival Velha Joana – Um modelo para a formação e celebração do teatro

O Festival Velha Joana, em Primavera do Leste (MT), apresentou, na sua 19ª edição, um panorama humano, estético e formativo raro para um mesmo evento. O centro da coisa toda, de maior importância, é a formação artística no município, desenvolvida em um ambicioso e enraizado projeto.

Esta avaliação não tem a intenção de esgotar todos os aspectos e frentes do festival, o que demandaria um fôlego, espaço e tempo mais estendidos, dada a diversidade de proposições que acompanhamos neste rico novembro no Mato Grosso. Faremos aqui certos recortes a respeito de algumas recorrências estéticas e de algumas características das três mostras e seus entornos.

Ainda que haja no Velha Joana uma sessão especial para dar conta dos trabalhos criados nos núcleos de formação teatral da cidade e nas escolas, podemos dizer que o aspecto pedagógico é comum a todas as mostras e estende-se também, por consequência, ao fomento das plateias. Um dos fatores mais estimulantes, aliás, é a maneira como o festival arregimentou o público, em uma estratégia que começa nos cursos e oficinas de teatro, adentra as famílias de crianças pequenas, crianças maiores, jovens, adultos e, adiante, totaliza-se nas salas de espetáculos, com a ampla participação de toda a comunidade.

É admirável a rede posta a funcionar pelos coletivos que criaram e mantêm o projeto há quase duas décadas – o Grupo Faces, o Faces Jovens e o Primitivos –, com apoio da municipalidade e do governo do Estado. É um circuito virtuoso, de apoios mútuos, certamente justificado em parte pela oportunidade dada de fazer a roda girar aproveitando a paisagem humana mais concentrada em uma cidade de pequeno porte. De todo modo, embora esta seja uma informação importante, certamente não dá conta de justificar todo o sucesso do programa. Uma aventura desse tipo não vingaria se não fosse a militância coletiva e a dedicação apaixonada, possível de ver no trabalho em ato das lideranças. Um modelo inspirador para políticas públicas de cultura que ambicionem o convívio comunitário através da arte.

Existência queer e o direito ao melodrama (Parte II: Sebastião)

Sebastião, o espetáculo do manauara Ateliê 23 apresentado no Festival Velha Joana, é inspirado no livro de Bosco Fonseca, “Um Bar Chamado Patrícia – Relatos do Início do Movimento Gay em Manaus” (Editora Reggo, 104 páginas). Ali o autor amazonense narra as impressões e experiências da vida gay em Manaus nos anos da ditadura civil-militar brasileira, durante a década de 1970 até 1979, quando o bar foi fechado. Nas palavras de Fonseca, em meio à barra pesada do regime de exceção o Patrícia tornou-se o paraíso de corpos e comportamentos fora da ordem: “Nós descobrimos, no Patrícia, uma liberdade para voar. Queríamos abrir as portas e mostrar os nossos talentos”.

Existência queer e o direito ao melodrama

O Festival Velha Joana levou ao público, entre os espetáculos e intervenções apresentados, dois que têm especial interesse no campo da existência dos chamados corpos dissidentes: a performance “Alegorya – O Desfile”, projeto da primaverense Alice Anayumi, e o espetáculo “Sebastião”, do grupo manauara Ateliê 23.

¡Cerrado! é teatro vivo entre o efeito e a razão

¡Cerrado!, espetáculo do Grupo Pano de Teatro (São Paulo) dá a deixa para atualizar um debate setentista, levantado pelo crítico Anatol Rosenfeld ((1912-1973),no rastro de uma expressão controversa, que causou aderência irrestrita ou furor apaixonado, à época: a ideia de um “irracionalismo epidêmico”, que nas palavras dele tornara-se recorrente ali mesmo, em meio às formas de violência da ditadura brasileira.

Duas alegorias no coração do Cerrado

O menino Inventador, Festival Velha Joana 2025, Neres Fotografia

Entre os espetáculos dos grupos Teatro Faces e Primitivos pautados para esta edição do festival Velha Joana, assistimos nos primeiros dias a dois que têm inegável parentesco tanto nas questões de fundo quanto no acabamento cênico. Os grupos são “prata da casa” e dois dos organizadores da Mostra, junto com o Faces Jovem. Isto, que poderia ser um detalhe acidental, provavelmente passa a ser algo central ao evento. Porque salvo engano as relações entre produção cultural e fatura estética ou, mais especificamente, entre aquilo que estes grupos mobilizam no contexto artístico e formativo da cidade e os seus próprios campos de pesquisa e de pensamento, estão interligados pelos lances da sociabilidade local. É uma percepção inicial, vamos ver se ela permanece de pé até o fim deste encontro em Primavera do Leste.

Espetáculos Selecionados 2022

Acesse lista completa dos espetáculos selecionados para a XVI Edição do Festival Velha Joana que acontece em Primavera do Leste de 11 a 20 de Novembro de 2022.

A Classe Viva

O grupo Teatro Faces Jovem surgiu em 2011, no Mato Grosso, na Escola Municipal de Teatro – Projeto Teatro Faces, reunindo jovens de diferentes comunidades através de projetos sociais que traziam a oportunidade de aproximação com a prática teatral.